Geralmente, os pacientes com excesso de peso apresentam
acúmulo de gordura em dois compartimentos diferentes do corpo: a gordura
subcutânea (que fica entre os músculos e a pele, portanto em um compartimento
mais superficial), e a gordura visceral (que fica dentro do tronco,
internamente à camada muscular, em contato íntimo com o fígado e com os órgãos
abdominais, sendo portanto uma gordura mais profunda). Sabemos hoje que o
tecido adiposo é na verdade um grande órgão endócrino, pois além de ser um
depósito energético, o tecido adiposo é também uma fonte produtora de diversos
hormônios e citocinas.
O tecido adiposo subcutâneo é o grande produtor do
hormônio da saciedade, chamado leptina. A leptina é um hormônio que, ao ser
produzido pelo tecido adiposo subcutâneo, tem como função sinalizar ao
hipotálamo que a reserva energética já está bastante (e desta forma, é capaz de
inibir o apetite), além de ter a capacidade de aumentar o gasto energético
basal e aumentar a lipólise.
O tecido adiposo visceral, por sua vez, é na verdade um
grande tecido inflamatório. Ele é capaz de produzir uma série de proteínas
inflamatórias para o corpo, como TNF alfa, IL-6, IL2, Interferon gama. Por este
motivo, sabemos que os pacientes com acúmulo de gordura visceral são pessoas
que vivem em um estado crônico de inflamação. E esta inflamação é quem vai
causar um defeito na sinalização da leptina no seu receptor, caracterizando o
que chamamos de resistência à leptina, muito presente na população obesa. A
fisiopatologia da resistência a leptina é muito parecida com a fisiopatologia
da resistência a insulina, de forma que
muitas vezes ambas andam juntas em um mesmo paciente.
O paciente com resistência a leptina vai passar a não ter
mais saciedade, a fome aumentará mesmo que de forma leve, ocorre uma queda da
taxa metabólica basal, e a lipólise não fica mais ativada, causando então um
ciclo vicioso que contribui para cada vez maior agravamento da obesidade.
Além disso, sabemos que pacientes com alimentação
gordurosa podem desenvolver resistência à leptina mesmo não havendo um aumento
do peso, já que a própria alimentação gordurosa é um fator que leva a um maior
ambiente inflamatório dentro do corpo, independente da quantidade de gordura
visceral. Isto pode ser explicado, por exemplo, pela diferença entre a flora
intestinal de pessoas com alimentação rica em gordura (mesmo magras) e a flora intestinal de pessoas com
alimentação saudável. Sabe-se que a flora intestinal dos pacientes com dieta
hiperlipídica é uma flora extremamente pró inflamatória, e causa alterações
metabólicas no organismo decorrentes desta inflamação, que podem cursar com a
resistência a leptina.
Para entender melhor um a importância da leptina no
funcionamento do corpo, costuma-se estudar uma doença chamada lipodistrofia,
que é uma doença genética rara em que a pessoa não possui tecido adiposo
subcutâneo algum. Desta forma, a produção de leptina também é nula. Pessoas com
esta doença apresentam um fenótipo físico aparentemente mais musculoso, já que
não possuem gordura nenhuma encobrindo os músculos. Nestes pacientes, toda a
gordura ingerida é estocada sob a forma de gordura visceral. Desenvolve-se então um quadro de inflamação
sistêmica grave, com grande resistência a insulina. Como consequência, pacientes
com lipodistrofia apresentam esteatose hepática gravíssima, desenvolvendo ainda
na fase infantil a esteatohepatite, evoluindo muitas vezes para a cirrose
hepática na vida adulta. É notória a presença clara da hepatomegalia.
Invariavelmente desenvolvem diabetes de difícil controle, com necessidade de
doses altíssimas e crescentes de insulina para seu tratamento. Como a leptina é
ausente, o tratamento com leptina torna-se eficaz neste modelo de pacientes.
Com o uso da leptina, estes pacientes passam a comer menos, a gordura no fígado
diminui, a lipólise aumenta, e a taxa metabólica basal aumenta. Com auxílio de
uma dieta com baixo valor calórico, conseguem com mais eficiência evoluir para
a perda de peso, com melhora de todas as taxas metabólicas.
No entanto, o uso de leptina como tentativa terapêutica
da obesidade por excesso de calorias não mostrou o mesmo sucesso. E a
explicação para isso é que, nos casos de obesidade exógena, sabe-se que não
ocorre falta de leptina (como ocorre nos casos de lipodistrofia), mas pelo
contrário, a leptina encontra-se até em excesso, já que sua ação fica
prejudicada pela resistência. O problema não é a sua deficiência, mas o defeito
da sua ação no seu receptor. Como consequência, ocorre aumento dos níveis
séricos de leptina como tentativa de compensação deste defeito.
A resistência a leptina pode ser comprovada através da
dosagem da leptina sérica, que encontra-se bastante aumentada nestas situações.
Muitas vezes, pacientes que apresentam resistência à insulina também apresentam
resistência à leptina, mesmo que leve, já que a fisiopatologia de ambas é muito
parecida.
Como a resistência
a leptina é consequência dos hábitos alimentares e hábitos de vida, conclui-se
que, assim como no tratamento da
esteatose hepática, faz-se necessária uma importante mudança do estilo de vida
para melhora deste tipo de situação.
Post por: Mayra Bespalhok